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Especialistas discordam sobre idade adequada para alfabetização das crianças em debate sobre novo PNE

Alguns defendem alfabetizar até o final do 1º ou 2º ano; outros, que permaneça a meta de alfabetizar ao final do 3º ano

14/05/2025 às 15h21
Por: Redação Fonte: Agência Câmara
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Kayo Magalhães/Câmara dos Deputados
Kayo Magalhães/Câmara dos Deputados

Especialistas ouvidos pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados sobre o Plano Nacional de Educação (PNE) para o decênio 2024-2034 ( PL 2614/24 ) discordaram sobre a idade adequada para a alfabetização de crianças, sobre os critérios para um aluno ser considerado alfabetizado e até sobre a eficiência de um plano.

A comissão discutiu, nesta quarta-feira (14), o Objetivo 3 do PNE – assegurar a alfabetização ao final do 2º segundo ano do ensino fundamental para todas as crianças.

A meta é que até 2030, 80% das crianças brasileiras estejam alfabetizadas e, até o final do plano, 100%. A Meta 5 do Plano Nacional de Educação anterior (2014-2024, estendido até 2025) previa a alfabetização de todas as crianças até o final do 3º ano do ensino fundamental.

Diretor de Políticas e Diretrizes da Educação Integral Básica do Ministério da Educação, Aleksandro Santos, acredita que o Brasil quer que as crianças sejam alfabetizadas o quanto antes. Ele considera importante, porém, delimitar a expectativa de aprendizagem ao final de cada ano escolar para organizar as práticas pedagógicas da escola.

Ele informou que o MEC lançou em 2023 o Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, nova política de alfabetização, que institui a colaboração entre União, estados e municípios com esse fim. “A educação infantil e os anos iniciais são tarefas do município, mas 3 mil municípios brasileiros são muito pequenos e muito pobres”, apontou. Conforme o diretor, o novo PNE tem esse pressuposto e também foca na equidade – ou seja, na redução das desigualdades.

Definição de alfabetização
O diretor do MEC disse que o Brasil pela primeira vez tem uma definição explícita de criança alfabetizada, com três elementos: “Ela é capaz de ler palavras, frases e textos curtos, ela é capaz de localizar uma informação explícita num texto curto, ela é capaz de fazer inferências de leitura, juntando a linguagem verbal e a não verbal num determinado texto”, resumiu.

Aleksandro Santos observa, porém, que a alfabetização segue ao longo da vida, com a aquisição de novas habilidades para a compreensão de textos, mas que o Brasil consegue medir hoje, ao final do 2º ano, se uma criança está alfabetizada. Segundo ele, o MEC desenvolveu uma avaliação censitária - o indicador Criança Alfabetizada -, já que o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb - Alfabetização) tem uma limitação: ele é amostral, e não censitário, impedindo o monitoramento de municípios específicos ou escolas.

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Alfabetização - objetivo 3 do Plano Nacional de Educação 2024-2034. Fundador do Instituto Alfa e Beto, João Batista de Oliveira
João Batista Oliveira defendeu a alfabetização no 1º ano

Alfabetização no 1º ano
Fundador do Instituto Alfa e Beto, João Batista Oliveira forneceu outra definição de alfabetização: “Uma criança alfabetizada lê palavras e pseudopalavras, por exemplo, vuvuzela - uma palavra que não existiria, lê sem silabar, sem gaguejar e ler no tempo previsto, que é, pelo menos, na língua portuguesa, 80 palavras por minuto. Se ela não lê nesse tempo, com esses critérios, ela não foi alfabetizada e ponto final”, disse. Na visão dele, não são necessários testes de compreensão de texto para saber que uma criança foi alfabetizada, já que ler e compreender são atributos diferentes - compreender é uma tarefa para a vida inteira.

“Quanto mais tarde a criança ler, mais difícil será recuperar o atraso”, observou. “No segundo ano do ensino fundamental, o aluno que chega no primeiro dia e não lê o que o professor escrever no quadro, o dever de casa, é um analfabeto funcional, quer dizer, o analfabetismo funcional começa dentro da escola quando a escola renuncia sua obrigação de alfabetizar quando deve”, completou.

Para ele, o que funciona na alfabetização: “Adotar um currículo baseado na ciência cognitiva da leitura, usar materiais estruturados, testados, eficazes, avaliar corretamente, quando? No final do primeiro ano”. Na opinião dele, basta uma amostra, não é necessária uma avaliação cara, para todos os alunos. “Se é para fazer plano, que seja: toda criança deve ser alfabetizada até o final do 1º ano. Isso é simples, possível, factível e inadiável”, concluiu.

Ineficácia de planos
João Batista Oliveira acredita que os planos de educação são ineficazes, não só no Brasil como em outros países. “Por que o Brasil não alfabetiza suas crianças? A resposta é simples e cruel: porque não quer”, disse, enfatizando que se trata de uma questão de prioridade política. “Nenhuma escola poderia funcionar se não conseguir alfabetizar seus alunos no primeiro ano. Se ela não fizer isso, ela tem que ser fechada, tem que haver uma intervenção”, opinou. “Nenhuma prefeitura poderia receber recursos do Fundeb se ela falha nesse ponto”, acrescentou.

Ex-Secretário da Alfabetização do Ministério da Educação, Carlos Nadalin concorda que a meta deve ser alfabetizar as crianças até o fim do 1º ano e, para isso, devem ser preparadas antes, na educação infantil, com atividades de consciência fonológica, entre outras atividades. Segundo ele, o desempenho e a fluência em leitura das crianças deve ser avaliado do 1º ao 9º ano do ensino fundamental.

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Alfabetização - objetivo 3 do Plano Nacional de Educação 2024-2034. Professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, Daniel Tojeira Cara.
Daniel Cara: acelerar a alfabetização não significa aprendizado

Antecipação da alfabetização
Professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo e coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, articulada por 18 entidades, Daniel Cara citou dados consolidados da Avaliação Nacional de Alfabetização (Ana) demonstrando que a situação da alfabetização das crianças até o 3º ano está estagnada.

Para Daniel Cara, o debate adequado não é se a alfabetização deve se dar até o 2º ou 3º ano, mas a pergunta fundamental é qual o critério para uma criança ser considerada alfabetizada. O debate, na visão dele, deve ser sobre a consistência da alfabetização e deve-se procurar superar as desigualdades dos resultados da alfabetização existentes, por exemplo, entre crianças de diferentes níveis socioeconômico ou raça.

“O Brasil tem tomado uma decisão em algumas redes públicas de acelerar a alfabetização para o segundo ano, e isso não tem resultado depois numa consistência no desenvolvimento dos indicadores de aprendizados nos anos finais do ensino fundamental - ou seja, você acelera a alfabetização e isso não significa aprendizado”, apontou.

Alfabetização até 3º ano
Professora de Pedagogia da Universidade de São Paulo, Bianca Cristina Corrêa acredita que os professores têm sido colocados à mercê de políticas equivocadas. Na visão dela, um erro é justamente antecipar a alfabetização para a etapa da educação infantil, quando a brincadeira deveria ser a atividade principal das crianças nessa etapa da vida.

“Exigir agora que as crianças aos 6 anos passem a ser stricto sensu alfabetizadas é uma exigência um pouco severa demais, e em um ano, dois anos, ao final do 2º ano exigir que estejam plenamente alfabetizadas, de modo consolidado, é exigir um pouco demais, principalmente se a gente considerar as desigualdades que a gente tem no nosso País”, opinou. Para ela, essa exigência deve ocorrer só ao final do 3º ano.

Bianca Corrêa acredita que o que considera excesso de avaliações existentes leva as crianças e aos professores a um nível alto de estresse e chama a atenção, para a falta de condições adequadas, por exemplo, para a dificuldade de se fazer alfabetização com turmas superlotadas.

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Alfabetização - objetivo 3 do Plano Nacional de Educação 2024-2034. Presidente Emérita da Associação Brasileira de Alfabetização - ABALF, Isabel Cristina.
Isabel Frade criticou a formação de professores por educação a distância

Formação de professores
Presidente Emérita da Associação Brasileira de Alfabetização, Isabel Frade lembrou que a não alfabetização e a desigualdade social estão relacionadas e que as políticas para a alfabetização devem ser associadas às políticas para a redução da desigualdade. Ela chamou a atenção para a questão da formação dos professores.

“A formação tem se dado, por volta de 80% em instituições privadas, e mais recentemente com precários cursos de educação a distância”, ressaltou. “Há muitos professores que chegam às escolas e não tiveram condições de fazer um estágio em seu sentido pleno e formativo”, acrescentou. Ela recomenda o monitoramento da qualidade das instituições de ensino superior.

Diretor do Centro de alfabetização, leitura e escrita (Ceale), Gilcinei Carvalho abordou as condições necessárias para a alfabetização, destacando a valorização dos professores e a formação contínua deles. Além disso, ele considera a formação de leitores como relevante para o sucesso do percurso da escolarização.

Alfabetização até 2º ano
Já a gerente de Alfabetização da Fundação Lemann, Bárbara Panseri, considera factível a meta de alfabetizar 80% das crianças brasileiras até o final do 2º ano. A fundação defende que 100% das crianças sejam avaliadas. Segundo ela, é importante que os dados de monitoramento sejam públicos e englobem raça, sexo e escola. Ela chamou a atenção para a necessidade das políticas da alfabetização serem continuadas, sem interrupções, lembrando que na última década o Brasil já teve quatro políticas de alfabetização relevantes - daí a importância do PNE.

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Alfabetização - objetivo 3 do Plano Nacional de Educação 2024-2034. Gerente Executiva de Relações Governamentais do Instituto Ayrton Senna - Instituto Ayrton Senna, Beatriz Maria.
Beatriz Alquéres defendeu a inclusão da matemática na alfabetização plena

Matemática
Gerente Executiva de Relações Governamentais do Instituto Ayrton Senna, Beatriz Alquéres destaca que mais de 40% das crianças não estão alfabetizadas até o segundo ano. Ela defendeu a manutenção dessa meta e lembrou que o período de alfabetização determina toda a trajetória do estudante. Na avaliação do instituto, é preciso inserir no plano estratégias claras para a recomposição das aprendizagens voltadas à alfabetização, de forma que essas crianças não sejam deixadas para trás.

Ela destaca ainda que o desenvolvimento das competências matemáticas iniciais é parte da alfabetização plena, já que pensar matematicamente ajuda a compreender melhor os textos. Alfabetizar de verdade é integrar essas duas linguagens. “O PNE atual não menciona a palavra matemática em nenhuma meta ou estratégia da educação básica”, alertou. O instituto propõe essa inclusão.

Opinião dos deputados
O deputado Pauderney Avelino (União-AM) destacou a importância da merenda escolar para que a alfabetização ocorra de forma adequada. O deputado Bruno Ganem (Pode-SP) ressaltou, por sua vez, a importância da cultura da educação, que engloba a vontade de a criança aprender e a valorização da educação pelos pais e pela sociedade, lembrando que influenciadores mirins alardeiam os ganhos financeiros mesmo sem estudo.

Presidente da comissão, a deputada Tabata Amaral (PSB-SP) disse que foi alfabetizada muito cedo e que isso fez toda a diferença na sua trajetória. Para ela, é preciso sobretudo tratar das responsabilidades daqueles que falharam em garantir a alfabetização.

Relator da proposta, o deputado Moses Rodrigues (União-CE) falou que o relatório sobre o projeto será feito por muitas mãos, em diálogo com a presidente, a Mesa Diretora da Câmara, a Comissão de Educação e os especialistas ouvidos nas audiências públicas na comissão e nas audiências nas assembleias legislativas nos estados.