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Ato na Esplanada dá voz a portadores de encefalomielite miálgica

Doença crônica causa fadiga extrema e afeta 1,5 milhão de brasileiros

13/05/2025 às 18h30
Por: Redação Fonte: Agência Brasil
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© Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil
© Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

Cerca de 950 pares de sapatos usados foram colocados no gramado da Esplanada dos Ministérios, próximo ao Ministério da Saúde, em Brasília, na manhã desta terça-feira (13) no ato público que marca o Dia Nacional de Conscientização e Enfrentamento da Encefalomielite Miálgica (EM), conhecida como Síndrome da Fadiga Crônica (EM/SFC), em 12 de maio e, também, o mês dedicado à doença neurológica.

Os calçados representam mais de 1,5 milhão de brasileiros que vivem com a encefalomielite miálgica, uma condição debilitante, sem causa determinada, caracterizada por fadiga extrema persistente, que não melhora com o repouso e pode piorar com a atividade física ou mental.

Além de tentar dar visibilidade aos portadores de encefalomielite miálgica, a mobilização teve o objetivo de ver avançar na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 2812/2021 , que institui a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com a Síndrome da Fadiga Crônica. A autora da matéria, deputada Erika Kokay (PT/DF), aguarda parecer do relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ).

A parlamentar ressalta a necessidade de tirar essas pessoas da invisibilidade de uma doença pouco falada, pouco estudada, e que não tem protocolo oficial de atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS).

“Muitas vezes, a dor dessas pessoas não pode ser dita, não é considerada, e elas enfrentam uma profunda solidão, inclusive, pela ausência de políticas públicas. É preciso ter protocolos, centros de referência, capacitação para o diagnóstico o mais rápido possível. É preciso ter toda a estrutura de tratamento. É preciso uma política nacional”, defende Erika Kokay.

À frente do ato desta terça-feira, a psicóloga Ivana Andrade, de 35 anos de idade, há 20 anos vivendo com a encefalomielite miálgica, busca apoio aos portadores da doença. A ativista relata que frequentemente os pacientes são rotulados por familiares, amigos e até por profissionais de saúde que desconhecem a condição que afeta múltiplos sistemas do corpo.

“Eles acham que é preguiça, manha ou que é coisa da nossa cabeça [psiquiátrica]”, disse.

Ivana Andrade que, atualmente, faz mestrado na área de ciências da saúde na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), com o objetivo de fazer um estudo epidemiológico da doença no Brasil, defende a formação de profissionais da saúde nas faculdades de medicina e pesquisas na área.

“Não adianta a gente ter esse protocolo de diretrizes e tratamento, se dentro das universidades não se fala em encefalomielite miálgica. Precisamos de uma união dos ministérios da Educação, da Saúde e da Ciência e Tecnologia [e Inovação] para investir em pesquisa, formação de profissionais de saúde e estruturação de um protocolo de diretrizes e tratamento”, argumenta.

Por trás dos sapatos

A maior parte dos quase 1 mil pares de sapatos trazem a identificação e até fotografias de quem os usava antes da encefalomielite miálgica. Em outras tantas botinas, sandálias e tênis há relatos de como a vida se transformou depois da doença, e o que essas pessoas estão impedidas de fazer devido ao cansaço acentuado.

O servidor público Daniel Cardim Gama, de 40 anos de idade, esteve presente ao ato para contar a experiência de viver com a encefalomielite miálgica após uma infecção por dengue, há 1 ano.

Passada a fase de recuperação da arbovirose, as dores articulares começaram e foram acompanhadas de fraqueza intensa que, segundo Daniel, o obriga a ficar deitado em recuperação, de forma constante.

Ele considera o manifesto no centro de Brasília importante porque permite que mais pessoas com essa doença tenham acesso à informação.

“Para mim, o principal diferencial em relação à encefalomielite miálgica é a informação. Se a pessoa que tem informação desde o começo sobre como ela deve lidar com a doença, como respeitar seu corpo, que tratamentos deve fazer, que tipo de atividade deve procurar, isso ajudará o paciente a conviver em sociedade. O paciente que não tem informação no começo, terá muitas chances de ficar acamado e perder essa convivência social”, disse.

A vice-presidente da Associação Brasileira de Encefalomielite Miálgica e Síndrome de Fadiga Crônica (Abemdis), Priscila Falcão, de 47 anos de idade, viajou de Salvador até a capital federal para participar da manifestação.

A professora de língua inglesa aposentada se recorda que começou a perceber que havia algo diferente com o corpo dela em 2017, porém, o diagnóstico somente foi fechado para a síndrome em 2021. Ela denuncia ter ouvido opiniões preconceituosas de profissionais de saúde que não acreditaram nos relatos da paciente.

Priscila Falcão ainda discorda da prescrição médica de atividade física para tratamento das condições de saúde de quem tem a encefalomielite miálgica. Ela explica que o gasto de energia pode ser um fator desencadeante ou intensificador dos sintomas, após as atividades.

Na contramão, ela defende o planejamento clínico de esforços para lidar melhor com a fadiga extrema e outros sintomas da doença.

“Ao contrário de ter uma melhora com a atividade física, como outras pessoas e eu mesma gostaria, a gente piora. Então, o manejo da energia é importante”.

Rede de apoio

A mãe da professora aposentada Priscila Falcão, a dona de casa Graça Noronha Falcão, viajou a Brasília em apoio à filha. Graça disse que é responsável até por dar banho na filha, nos momentos mais agudos da doença. E lamentou ver a filha nesta situação.

“É muito difícil para as pessoas que convivem com essa doença extremamente debilitante”.

Em frente ao Congresso Nacional, foi colocado um banner com fotos de Ruben Ceratti, de 38 anos de idade, antes e depois da encefalomielite miálgica. O jovem convive com a doença há 9 anos e perdeu força na musculatura da mastigação, e por isso é alimentado por sonda. Como não teve condições físicas de se deslocar ao gramado, Ruben foi representado pelo pai, Claudio Ceratti.

O aposentado acredita que os sinais da doença foram agravados por diagnóstico e opção de tratamento equivocados.

“Foi demorado, doloroso, com muito sofrimento e, totalmente, ineficaz”, avaliou o contexto.

Com a maior exposição e discussão sobre a doença depois da pandemia da covid-19, Claudio Ceratti acredita que haverá mais verbas e pesquisas sobre o tema, o que acende as esperanças de melhoria da condição do filho.

“Em algum momento, em função de pesquisa, de alguma descoberta, vai surgir algo que possa, não digo, retorná-lo ao que ele era originalmente, mas, que lhe dê uma condição de vida com mais qualidade”, estimou o pai.