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Risco de negro ser vítima de homicídio é 2,7 vezes maior no Brasil

Mais de 35 mil foram mortos em 2023, mostra Atlas da Violência

12/05/2025 às 11h15
Por: Redação Fonte: Agência Brasil
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© Paulo Pinto/Agência Brasil
© Paulo Pinto/Agência Brasil

Ser uma pessoa negra no Brasil faz você enfrentar um risco 2,7 vezes maior de ser vítima de homicídio do que uma pessoa não negra . A constatação faz parte do Atlas da Violência , divulgado nesta segunda-feira (12), no Rio de Janeiro.

O dado foi apurado em 2023. Apesar de ser uma redução ante 2022 , quando o risco era 2,8 vezes maior, o indicador revela um aumento em relação a 2013 . Naquele ano, a pessoa negra tinha 2,4 vezes mais chances de ser morta do que uma não negra.

O Atlas da Violência é elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), vinculado ao governo federal, e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), uma organização sem fins lucrativos.

O estudo coordenado pelo pesquisador Daniel Cerqueira, do Ipea, e pela diretora executiva do FBSP, Samira Bueno, considera como negros o conjunto de pessoas pretas e pardas, que somam 55,5% da população brasileira e enfrentam as piores condições socioeconômicas .

O grupo populacional classificado como não negro é a soma de pessoas brancas, amarelas e indígenas.

O documento coleta dados de fontes oficiais, como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), responsável pela contagem da população, e o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde.

Homicídios

Ao apontar que o país teve 45,7 mil homicídios registrados em 2023 e taxa de homicídios de 21,2 para cada 100 mil habitantes, o estudo cruza dados com características da população, de forma que consiga apresentar informações sobre o risco de ser vítima de violência.

Entre 2013 e 2023 , o número de homicídios caiu 20,3% .

“Embora os dados apontem para uma redução geral dos homicídios no país, essa tendência não se distribui de forma equânime entre os grupos de pessoas negras e não negras”, registra o texto.

Ao analisar os índices de risco, os pesquisadores apontam que, apesar dos avanços na diminuição geral dos homicídios , “ a desigualdade racial associada à violência letal não apenas persiste, como se intensifica” .

Dizer que o negro tinha chance de ser vítima 2,4 vezes maior que o não negro em 2013 e 2,7 vezes maior em 2023 representa que esse risco saltou 15,6% no período .

>> Veja os números:

  • Em 2023 , houve 9,9 mil homicídios de pessoas não negras , equivalendo a uma taxa de 10,6 para cada 100 mil habitantes .
  • Entre os pretos e pardos , foram 35.213 homicídios , representando taxa de 28,9 registros para cada grupo de 100 mil habitantes .
  • Desde 2013 , a taxa dos negros caiu 21,5% , diminuindo de 36,8 para 28,9.
  • Taxa dos não negros recuou 32,1% , passando de 15,6 para 10,6.

“Os números que trazemos desnudam as desigualdades e o racismo estrutural que têm atingido a população negra brasileira, traduzidos na violência letal”, escreve o Atlas.

Violência e racismo

Os pesquisadores concluem que “as discrepâncias observadas nas taxas e no risco relativo de vitimização letal evidenciam que a população negra permanece submetida a um cenário de violência desproporcional” .

Os autores lembram que desde 2013 houve marcos políticos e jurídicos , como a criação da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, em 2013, pelo governo federal; a criação do Ministério da Igualdade Racial, em 2023; a Lei 12.990 , de 2014, que reservou 20% de cotas raciais nos concursos da administração pública federal; e a Lei 14.532 , de 2023, que igualou o crime de injúria racial ao de racismo.

Entretanto, reforça o Atlas da Violência , os dados demonstram a “permanência de uma estrutura racializada [quando a raça ou identidade racial é usada para categorizar, discriminar ou conceder privilégios] da violência, que se expressa de maneira diferenciada nos territórios e resiste mesmo em contextos de avanços legislativos e institucionais no campo das políticas públicas”.

Morte de indígenas

A pesquisa do Ipea e do FBSP também se debruça sobre a violência contra indígenas . Os dados mostram que, em 2023 , foram 234 homicídios . Isso indica taxa de 22,8 por cada 100 mil habitante s.

Apesar de ser um índice superior ao da população brasileira como um todo (21,2) , o estudo identifica uma convergência ao longo dos anos, ou seja, diminuiu a diferença entre os grupos populaciona is.

>> Taxa de homicídios por cada 100 mil habitantes:

2013
Indígenas: 60,5
Brasil: 28,8

2018
Indígenas: 29,5
Brasil: 27,9

2023
Indígenas: 22,8
Brasil: 21,2

Especificamente entre 2022 e 2023, houve comportamento inverso, com aumento da taxa entre indígenas (21,5 para 22,8) e redução da brasileira (21,7 para 21,2).

Ao observar as informações nos estados, Roraima apresenta indicador mais de dez vezes o do Brasil : 235,3 homicídios por 100 mil habitantes. Em seguida figura Mato Grosso do Sul (178,7).

Os pesquisadores descrevem os números de homicídios de indígenas como “problema grave e complexo” , e fazem a ressalva de que os dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade apresentam “ausência da caracterização dos povos indígenas (ou das etnias)”.

“Mais interessante seria se conseguíssemos analisar a violência sofrida por cada povo", observa.

O documento frisa que sem os dados por etnias, fica impedida a compreensão detalhada da violência letal enfrentada por cada povo indígena, “não se podendo inferir, por exemplo, os reais riscos de desaparecimento de povos que possuem baixa representatividade demográfica e altas taxas de homicídio”.

Povos agredidos

A identificação dos povos indígenas foi possível quando se buscou dados de internação hospitalares decorrente de agressões. Os dados cobrem de 2013 até 2024 . Nesse período, foram contabilizadas 1.554 internações .

Com as informações de etnias disponíveis, o Atlas da Violência afirma que “as dimensões históricas da violência sofrida por indígenas restam evidentes” .

>> Povos com mais internações por agressão:

  • Guarani-Kaiowá , no Mato Grosso do Sul, 574 casos (36,9% de todos os casos)
  • Kaingang registrou 142 casos de internações nos estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo
  • Terena (66), maioria no Mato Grosso do Sul

Os autores do levantamento acrescentam que o contexto da violência contra o povo Guarani-Kaiowá é marcado pelo avanço do agronegócio e pela piora das condições de vid a, sobretudo no Mato Grosso do Sul.

“Como resultado, acompanha-se o aumento de conflitos armados e, consequentemente, agressões físicas diretamente relacionadas à defesa de direitos e retomada de territórios tradicionais”, informa.